Para todos os filhos e filhas do Brasil
Mãe, por que não quero ganhar presente de Natal.
Mãe, esse ano resolvi desafinar o coro dos contentes e te fazer uma
declaração de carinho e afeto diferente das convencionais para esta época
do ano. Resolvi te pedir pra que não me presenteie neste Natal. Na
verdade, minhas motivações pra este pedido se ligam a minha sensibilidade
sobre o momento histórico que atravessamos.
Perceba que nesta época tudo que é relativo a cobertura televisiva do Natal
se faz com um pano de fundo de Shopping ou de um centro comercial. Nas
entrevistas aos consumidores, estes se demonstram ansiosos para conseguir
satisfazer seus entes familiares com o melhor presente possível, que tem
cada vez mais a sua obsolescência programada. Nas estatísticas, é
apresentado o percentual do aumento das vendas com relação ao ano anterior
onde, me parece, sempre acumula novos patamares. Tudo isso para conferir a
mercadoria o status de elemento organizador da vida social.
Não é apenas no Natal, mas este fenômeno da vida para as Mercadorias
alcança níveis inimagináveis. A procura pelo melhor carro, pelo tênis mais
moderno, pelo celular com maior numero de funções ou pela bolsa da moda
adentra as teias de relações entre brasileiros e brasileiras mais
preocupados em poder ter do que poder ser. Afinal, tempo é dinheiro.
Toda essa corrida pela mercadoria parece agir em paralelo a maior crise
ambiental já vivida no planeta Terra, construídas pelos homens que nela
habitam. Uma crise movida por donos de indústrias que tem seu funcionamento
atrelado a criação de novas necessidades para o consumo de cada vez mais
mercadorias. Isso mesmo, no capitalismo é a oferta que gera a demanda e não
o contrário. E tantos novos produtos não surgem no acaso, são resultados da
extração de recursos naturais, processados e transformados. E a natureza
vem dando sinais freqüentes desse desgaste na escassez de água potável, de
terras agricultáveis e de ar puro. Nem mesmo o aquecimento global, consenso
entre ambientalistas de diferentes vinculações ideológicas, foi capaz de
questionar o grande dogma do sistema: o crescimento.
Nenhuma organização ou movimento social tem sido capaz de detê-lo. Para
alavancar o país a “caminho do desenvolvimento” as terras devem estar
livres para o plantio e deve haver energia para alimentar esta produção.
Livr es principalmente de qualquer comunidade indígena que possa habitar
naqueles territórios, como em Altamira, no caso de Belo Monte. Também deve
estar livres de arvores e de pequenos agricultores para facilitar o
monocultivo da soja para alimentar a pecuária e exportação, como na
aprovação das alterações do Código Florestal pelo Senado.
Ah, se houvesse espaço para contarmos a história de outra maneira, mãe. Eu
diria para os milhares de brasileiros, pobres como eu, que este
“crescimento” nunca na história do país alterou de fato a qualidade de vida
de ninguém, pelo contrário retira o direito de milhares de comunidades
indígenas e de pequenos produtores rurais. Existe uma breve sensação de
melhoria fornecida pelo efeito efêmero embutido nas mercadorias que grande
parte da sociedade começa a adquirir ou assimilar nas imagens.
Essa corrida desenfreada pelo consumo nos Shoppings tem a m esma intensidade
da corrida do agronegócio e dos industriários, a diferença é que a primeira
dispõe dos meios de comunicação e, portanto de formação dos primeiros. A
pergunta, mãe, a se fazer, é se isso tem nos levado a um bom caminho.
Colocar o aumento do PIB e do crescimento econômico do país na frente de
critérios que mensurem a real qualidade de vida das pessoas.
O Brasil é um dos primeiros países em desigualdade social do mundo. Um dos
primeiros quando o assunto é concentração de terra. O país que mais consome
agrotóxico. Um dos primeiros do ranking das mortes por armas de fogo,
ganhando de diversos países que passaram por guerra. Temáticas
suficientemente importantes para constarem na avaliação de um
desenvolvimento do povo de um país.
Mãe, este panorama serve pra te dizer que não me sinto mais confortável em
receber presentes. São mercadorias, representativas des te tipo de sociedade
pautada na acumulação de bens, ainda que se perceba o vazio existencial
embutido nelas, descartadas logo após o momento em que são abertas as
embalagens. Descartáveis vão se tornando o conjunto das próprias relações
humanas onde os velhos não interessam mais e onde das mulheres se espera a
sensualidade estética e nada mais.
A imagem ganha toda a centralidade e se passeiam pelas ruas como se a vida
fosse um permanente desfile. Importa dizer aquilo que se têm e melhor se
meu interlocutor não tiver. Todos tentando se adequar a uma temporalidade
acelerada, pressionada pelo competitivo mundo do trabalho, pra atender a um
imperativo de gozo que está sempre na iminência de acontecer. É difícil, ou
em breve proibido, resistir aos seus apelos e as doses das drogas
psico-ativas cresce na proporção das exigências de gozo. No vácuo deixado
pela época dos ideais sejam eles so cialistas ou conservadores, e do
exercício da fé na sua fase do poder absoluto e castrador, nos resta a
Mercadoria e sua onipresença invadindo as formas de vida cotidiana e
interferindo em terrenos inconscientes.
Por isso mãe, te peço neste Natal e durante o percurso desses nossos
encontros apenas a sua presença e a possibilidade de estarmos juntos, de
podermos trocar experiências, em explorar aquilo que nunca poderá ser
comprado ou vendido: nossa capacidade de inventar, de romper, de inverter,
de sonhar e transformar. Agradeço eternamente toda sua dedicação e carinho
e espero que entenda que é tempo de darmos um basta na mercantilização de
todas as esferas da vida humana e suas conseqüências. E acho importante
que comecemos por nós mesmos.
Rio de Janeirio, 20 de dezembro de 2011.
Téo Cordeiro