André Mags
O maior voo da Gónve começou em 2008, quando recebeu um telefonema da
mãe dizendo que havia sido selecionada na reserva de vagas para indígenas da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e respondeu:
— Eu vou.
— Eu vou.
Da reserva caingangue do Guarita, que ocupa áreas de Tenente Portela,
Redentora e Erval Seco (noroeste gaúcho), Denize Leticia Marcolino,
carinhosamente chamada de Gónve~(sabiá) na sua aldeia, abriu as asas da
coragem, enfrentou tanto as desaprovações familiares quanto a saudade ferrenha
da mãe e partiu rumo a Capital para cursar Enfermagem. Quase cinco anos depois,
será a primeira universitária selecionada pelas cotas indígenas a receber o
diploma pela instituição.
Para os caingangues, a família é tão importante que costuma passar a
vida inteira junta. Poucos saem para cursar uma universidade, e dos que vão,
muitos voltam sem concluir os estudos. Como confirmam o Ministério da Educação
(MEC) e a Fundação Nacional do Índio (Funai), os índios são o grupo populacional
com menor número de universitários. Denize prometeu que com ela seria
diferente.
Chegou à Capital após nove horas de viagem. O primeiro semestre foi
turbulento. A saudade da família dilacerava o peito. Desnorteada na cidade,
tomava táxis para se locomover entre a Casa do Estudante, na Avenida João
Pessoa, e o Campus da Saúde, na Rua São Manoel. Gastava, assim, toda a bolsa,
inferior a um salário mínimo. Nas aulas, não entendia perguntas. No restaurante
universitário, estranhava a comida. E não falava com ninguém.
Passaram-se seis meses, e ela não desistiu. Aos poucos, os colegas
conseguiram romper a timidez silenciosa da garota. Explicaram como pegar um
ônibus. O acompanhamento de monitores reduziu as dúvidas nas provas. A comida
ficou mais palatável. O teste decisivo, porém, ocorreu nas férias de julho de
2008, de volta à reserva.
— Cheguei e chorei. Era a minha casa, a minha vida. Minha mãe estava com
muita saudade, mas só depois me confessou que, naquele dia, teve muita vontade
de me dizer para ficar e desistir. Mas eu queria que os jovens da aldeia vissem
que é necessário ir atrás das coisas para o nosso povo. Senão, nunca teremos
autonomia, sempre dependeremos dos outros — afirmou.
Denize retornou aos estudos. Não repetiu nenhuma cadeira, celebra a diretora
da Escola de Enfermagem, Liana Lautert. Gónve receberá o diploma ao som de Índio
do Brasil (de David Assayag), sob ovação da mãe, Ivone da Silva, 43 anos,
do marido, Josias de Mello, 25 anos, e dos cerca de 20 familiares e amigos que
irão ao Salão de Atos trazidos de ônibus pela UFRGS.
Na semana que vem, a sabiá de 22 anos pousará na reserva, que a espera
com uma casa nova, construída ao longo dos anos em que esteve em Porto Alegre,
e um novo desafio do tamanho dos 23 mil hectares do Guarita. Ela sempre manteve
a certeza, desde antes de entrar na UFRGS, que sua missão era ajudar seu povo.
Zero hora